#13 Como a gente escreve quando não está escrevendo
Em busca do segredo de como não atrapalhar minha mente quando ela cria.
Uma coisa que me fascina e, em parte, me preocupa é entender quando e como as ideias vêm. Alguns macetes do meu cérebro eu já peguei. Por exemplo, o banho é o melhor lugar para eu ter uma ideia nova. Já tive ideia de conto inteiro e fiquei naquela luta de terminar, me secar e perder o mínimo possível até chegar a um caderno.
Se travei num ponto de uma história, a melhor estratégia é lavar louça. Nem preciso esperar muito. Como a louça é eterna, sei que qualquer problema pode ser resolvido a todo e qualquer dia.
Fico mais preocupado, por ser uma mecânica que domino pior, com as ideias que vêm quando demorei demais para ir dormir. Estou assistindo algo no YouTube que eu nem sabia que existia, o vídeo me traz aquela ideia que me intriga, que dá até medo de ser tão boa que eu não vá guardar bem o suficiente para transcrever numa história depois. Posso anotar a ideia geral, mas escrever de fato, de noite ou madrugada, é uma impossibilidade nos dias de hoje (acordo antes das 6h). E fica aquela dúvida: “se tivesse ido dormir quando devia, será que essa ideia me viria de outro jeito, ou ficaria em algum canto do meu cérebro para sempre?”
Há outras fontes com grande potencial, mas extremamente aleatórias, como as ideias brotadas de um livro que esteja lendo (inspiradas nele, às vezes de forma tão enviesada que eu me pergunto como aquilo pode ter nascido enquanto eu lia a frase tal). Elas vêm geralmente de livros que não são de literatura, mas de astronomia, sociologia, psicologia, economia, até dos livrinhos da Avon largados na sala dos professores.
Gosto das que surgem contrárias ao que eu estava lendo, ou das maravilhas que escuto no ônibus enquanto tentava ler. Às vezes, a vontade de ler um livro me leva à ideia que eu tinha quando larguei o livro, mas tinha esquecido, ou quero muito reler o livro tal e, assim que aproveito uma página ou duas, me vem uma trama nova à mente.
Fica parecendo que ler seria uma fonte óbvia para eu ter novas ideias, mas essas inspirações poderosas, obviamente, acontecem um mínimo de vezes, ou eu nunca leria nenhuma linha completa. Por que, então, às vezes elas vêm? Será que eu teria como provocar mais isso?
Também curto combater ideias que mantenho há muito tempo. De vez em quando identifico uma crença que segue estável, sem querer, por muitos anos. Ataco-a, buscando algum furo. Se não o encontro, beleza, mas, se encontro, é melhor ainda. Dali pode sair de tudo.
Conversas aleatórias me rendem poucas ideias, ainda que eu capte uns diálogos ótimos de vez em quando e fique querendo lhes dar um destino ou encontrar o nicho, em alguma história, para colocar qualquer coisa análoga. Gosto dos sucintos, como essa pergunta-e-resposta que ouvi entre duas amigas, sobre um antigo affair de uma delas:
— E ele era gaúcho?
— Ele era casado!
Adorei o salto, o pulo para o que interessava, o rompante com que o conflito narrativo invadiu o diálogo. Queria eu ter onde colocá-lo um dia. Tento aprender com esse tipo de papo, lembrar deles quando vou digitar meus diálogos e muitas vezes me perder em falas desnecessárias.
E, com tudo isso, é preciso dizer que o Substack está tomando muito tempo de criar histórias. Tenho vários rascunhos engavetados, mas não tenho tido muito tempo para conferir minimamente os textos e talvez pensar melhor no que devo ou não publicar. Por isso, infelizmente vou começar a postar a cada 15 dias. Vamos ver se o resultado é um pouco mais de qualidade, aqui ou no livro que estou escrevendo. Meu obrigado a quem acompanhava a toda semana, mas o tempo é necessário para tudo, não só para ter boas ideias. Daqui a 14 dias, mais um textinho 😉
Nutro um pouco dessa obsessão também. Gosto duma frase do Assis Brasil que diz que algumas ideias são como o zumbido que ele tem no ouvido. Quando ele se dá conta delas, elas já estavam ali, e é meio impossível rastrear quando exatamente começaram a se desenvolver.
Isso de pegar uns diálogos aleatórios e inesperados eu gosto muito! Como você falou, nem sempre rendem ideias maravilhosas, mas muitas vezes abrem caminho para imaginar cenários, personagens...
Uma das últimas que ouvi foi de dois adolescentes, com uniforme de escola, na hora do almoço. Ela disse para ele:
- Você pagaria maconha no pix!